"O poeta morreu. Postumamente, se publicam os seus versos. (...) Maníaco sagrado, o poeta está próximo do xamã, do profeta e do louco, mas sem doutrina em que tenha de crer, nem divindades por que se deva deixar possuir, nem delírio a que esteja coercivamente submetido. Proclamador do patente que os outros ocultam ou evitam, ser poeta não é meio, mas princípio e fim."

domingo, 22 de novembro de 2020

Pronto, dever cumprido


Pronto, dever cumprido –

e a sensação de absurdo

de ter feito o que deveria ter desfeito,

de ser-me a mim mesmo falido,

eficácia, cego e surdo,

pronto – como se fosse um defeito.

 

E, porém, alívio

no momento em que lívido

volto a ser eu –

eu? quem? o profissional

burguês de uma especialização tal e tal?

aquele cuja consciência apenas persiste em ter consciência que morreu

 – ah! ter sido para a morte ato de vida!

ah! ter sido eu!

Horários, funções, títulos, contemplações, sobrevida,

matei em mim o suicida

no mesmo gesto em que em mim matava a vida. 


Joaquim Lúcio, O Jazigo do Poeta, Vol. IV, petrificação, p. 245.

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