O subúrbio já tem hoje luzes de natal
como se
fosse cidade de província ou capital
mas as suas entranhas apodrecem
tanto ou mais que antigamente
estranhas à maquilhagem
comercial presente
O subúrbio
despeja força de trabalho nas empresas
e recebe-a
gasta, exaurida, esvaziada, pela noite
Só isso se
regista nos anais, nos estudos, nas notícias
cidade
dormitório, albergue amontoado de fatores de produção
mas entre um
e outro movimento de massas de gente
há pessoas
torturadas pela solidão isolada ou acompanhada
há diversão
desesperada, substâncias para apagar a mente
há carnes
que buscam alívio para uma existência desolada
há
possibilidades canceladas que sonham impossíveis
há conflito
que facilmente pode acabar à navalhada
há seres
desfigurados, deformados, irreconhecíveis
face ao que
foram quando ainda esperavam alvorada
No subúrbio,
despeja-se a crueldade das vidas amputadas
destinadas a
cumprir funções que não lhes dizem nada
decorrendo
os seus momentos para finalidades alienadas
impedidas de
ser mais e realizar-se na existência projetada
O subúrbio
deforma o que ainda resta pelo vício
entrega da
pressão a seja o que for que ainda alivie
cada noite
uma voragem, um abismo, um precipício
e a busca de
algo que da destruição ainda desvie
Amontoada
nos transportes, amontoada nas escolas
amontoada
nas manjedouras, amontoada pelos prédios
a gente está
tão viciada na sua anulação como pessoas
que a busca
mesmo quando poderia outros privilégios
e assim se
vai amontoar nos bares e discotecas
no inferno
dantesco do verão das praias à beira mar
nos centros
comerciais, nas festas populares
até no
trânsito para ser infeliz noutro lugar
Destruídas
em toda a possibilidade de existir
há pessoas
amordaçadas por trás da massa informe
há desejos,
sonhos, anseios que tiveram que preterir
para poder
sobreviver, para poder matar a fome
Rancor,
despeito, inveja, ganância, cupidez
tudo isso se
acumula nos estratos sedimentares
sobre que se
ergue o subúrbio em toda a sua sordidez
acumulando
corrupção em diversos patamares
mas, mais
fundo, comum a toda a massa do subúrbio
existe um
estrato de tragédia, sacrifício e beleza
um estrato
uniforme, subterrâneo, insuscetível de distúrbio
um estrato
de indelével e incomensurável tristeza
Desse
estrato, autêntico, tão comum quanto pessoal
provém o
sentimento que toda a agitação acalma
quando as
pessoas veem as suas próprias luzes de natal
e lhes põe
lágrimas nos olhos, sorrisos na alma
Mesmo não
passando de maquilhagem comercial
mesmo
continuando a crescer a podridão
importa que
haja atuação paliativa medicinal
que lhes
suavize uma existência de aflição
Nesta gente
simples, acostumada à agrura
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