A morte vê e espera paciente ao fundo,
com ironia
velada e calma em seus lábios,
a fuga a si
reafirmante de tudo e mundo
até à
aceitação plácida ou sim dos sábios
Tudo
concorre ou se atrai ao lhe fugir,
passionais
aléns visando satisfação,
mas
persistente a sensação de tudo a rir
como se cada distinto fosse em si
mesmo a negação da distinção
aniquilando-se
pelo ato próprio de autonomia e afirmação
Se a morte é
em cada gesto expletiva e vida,
a fuga à
vida não deixa entanto de ser morte,
não sendo
contudo jamais o que é e visa
– a sedação completa
relativa ao final corte
O hiato
preenchendo-se se alarga
e tudo se
deglutido se esvai e escapa
pois a
carência reduz a si o ambicionado
e a
conquista só domina o dominar,
o lado pela
carência determinado,
só domina o
lado pobre, o violado,
e não o que se queria quando
visado por livre e só por livre amado
Ah! quanto a
bela saga irasciva da razão
supera a
apetição minuciosa dedutiva ao infinitesimal
embora sendo
ambas da mesma aspiração
e,
aspirando, determinem o mesmo visionado ideal:
o eterno e
incondicionado universal!
E é verdade
que esse escapa à morte
como tudo o
que nunca esteve vivo,
embora seja
sempre apenas o produto
de cada
contexto histórico relativo
Se os
analíticos tentam escapar pelo atómico,
os
metafísicos procuram superar pelo sistémico,
ambos
abstraindo-se da vida de modo cómico
e esperando
atingir o imortal pelo anémico
Pior ainda,
o místico procura pela negação
encontrar
uma outra superior afirmação,
apenas
buscando do lado de trás nada
o vazio que
já em si à partida se encontrava
Claro que
lhe pode chamar uma outra coisa,
há sempre
mil formas de decorar a fealdade
e
apresentá-la como algo superior e transcendente,
sendo ao
menos maior porque insuflada de vaidade
e animada a
autoestima pela devoção do crente
Vê bem a
morte que tudo o que lhe escapa,
tudo o que
visa encontrar a si alternativa,
visando
transcendê-la ou evitá-la à socapa,
só estraga a
vida, fazendo-a menos vivida
E se acaso
tecnicamente se encontrar
num futuro
mais ou menos longínquo
uma forma de
literalmente a evitar,
o resultado
não poderá deixar de ser o mais iníquo
Uma vida sem
morte será uma vida sem vida,
sem
renovação, seleção ou adaptação,
uma exaustão
de tudo só para ser mantida,
incapaz de
qualquer geração ou procriação
Uma ausência
total de existência,
incapacidade
de ser projeto, de ser lançado,
como toda a
inorgânica persistência,
sem temporalidade,
duração de um mero dado
Ao escapar à
morte só se escapa à vida
e esta bem
poderá ser totalmente liquidada
se a avidez
sobrepujar qualquer sensatez comedida
e preferir
tudo aniquilar para fugir ao nada
E a morte
redobra o sorriso a perder a compostura
pois se não
há vida sem morte, talvez haja morte sem vida
– que
busquem vorazes da vida a caricatura
e a morte lá
estará para lhes dar a prometida
e, se nos
longos corredores da persistência,
a
insuportabilidade da duração sucessiva
abrir enfim
as portas escancaradas da demência,
será ainda a
morte a providenciar uma saída
misericordiosa
e irónica, de modo algum ressentida,
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