cai,
pouco a pouco, sobre o nosso esquecimento
e
é tudo estranho e mágico, recriado, um novo olhar,
o
mundo que das trevas se dá à luz do tempo
–
olhamo-nos espantados e vemos rostos gastos,
destroçados
de cansaços e desejos ansiosos de fusão
–
trementes, ausentes do calor e da força dos céus vastos
que
na noite luarenta se abriam em transes fundos de paixão,
somos
outros, intimidade estrangeira do amor,
violação
da solidão antiga e teimosa de impotência,
e sentimo-nos vazios,
vertidos noutro, ao despertarmos do torpor
que
nos tomou os membros, amnésicos de outra consciência
senão
a de união para além de distância ou divisão temerosa
de
ser roubada do seu nada, instada a morrer para se dar
–
olho os teus olhos e vejo-te formosa
dessa
devastação de uma noite feita clara para amar.
Estou
inteiro, regresso ao tempo mágico do início
e
há criação e madrugada em cada rumor de devir em mim
–
um momento, um instante longo, encruzilhada ou princípio
em que tempos se cruzam e
são indiferença e fundamento de criação e fim
–
para lá de querer poder, este ser claro aqui
satisfeito
no sentido primevo do amor
– para lá da ausência, origem do ser
para si,
ausência de ti, isolamento em
angústia e dor,
fundamento da ânsia de domínio que
nos consome,
destruição do outro por ódio dele
nos ser estranho,
superação da impotência pela
potência de relação esmagada,
força aberta dobre o nada,
por ter nada, ansiosa de
uma sempre maior possessão e criação de nada,
abertura ao vazio e do vazio,
chaga a abrir-se em ânsia de
enchente angustiada
a limites de impotência e calafrio.
Um
sol se avizinha à madrugada
e
nós estamos cinzentos de brancura.
Ao
fundo, desce, só e cheia, nevada estranha lua
e
nós, sem força, trocamo-nos ternura,
espantados
da paixão desvelada, agora nua,
que
confidenciámos ao luar
violando
o cofre da nossa solidão
–
lá vai a lua que nos viu amar,
lá
vai levando segredos antigos de paixão,
sabendo
desde sempre o fogo que nos move,
condescendente ao nosso
medo traidor do sentido da nossa geração,
desvio
àquilo mesmo que nos forma e se consome
no
ímpeto de ser além e fuga na teia de poder ou de razão
–
assim falava Bórgia quando a sós,
assim
Platão escondido sonhava em ansiar.
A
noite passa,
a
antiga noite, clara ofuscante e desperta,
passa
a união primeva de prazer e dor,
passa
esse limiar, essa janela aberta
ao
mundo da origem e do fim,
onde
viajámos da frustração ao torpor,
culminantes
em nós mesmos como um sim,
passa
essa bênção funda de indiferença, frescura e amor,
um
sacramento, um confirmar do parto original
de
que nascemos e nasceram todos de modo igual
–
silêncio...
–
a noite, a materna noite,
a
noite que nos deu frio para nos apertarmos um ao outro,
a noite
que nos deu tempo e insistência no encontro,
a noite abençoada em nossos
gestos esquecidos de ontem e de amanhã,
a noite passa e espanta-nos
a memória com que nos fere esta manhã...
Há
agora ainda, dentro, em nós, tristeza e dor,
e
o limiar do dia dá-se à luz em nostalgia
e
sempre haverá tristeza e nostalgia no amor,
mas
estamos vivos e dispostos a fruir a alegria
–
a nossa dor é convalescente da doença,
não
é apartamento e agonia;
somos
memória, esperança e promessa,
instante
de alfa e ómega, agora,
madrugada
de um mundo novo que começa.
Intuo
agora qualquer coisa mais:
– as ruas estão desertas
e esperam pelas gentes
ser
mais é sempre um excesso é ser demais,
a
união perspetívica e plural de colorações diferentes.
(teus olhos – mais calmos –
são aqui presentes),
Voltamos
sempre à mãe de que nascemos,
um raio de sol primeiro
ofusca as nuvens,
somos
filhos nos filhos que fazemos
e
somos pais no instante em que recebemos
–
que interessa que o mundo corra mediano?
as nuvens brilham numa
luz mais forte,
Há
anseios esquecidos de outro norte –
as árvores aclaram-se do
verde escuro,
eu olho contente a
sombra que se esvai.
Só
aberto em mundo eu elevo a força que seguro!
Há
mais p’ra lá da queda, algo que se eleva e vai,
algo
escondido no cinzento e horizonte,
algo
que desperta grande e se quer dar,
algo
que se anseia transbordar-se por amor,
algo
que dissolve e concretiza a nostalgia do luar.
O sol nasce e morre a
minha dor!
Beijo
os teus cabelos
é
dia
ah!
como o peito se me enche de alegria
haverá
gente lá fora?
ah!
meu amor,
é-me
indiferente o que se passa além,
só
em ti minha beleza se demora,
para
lá de nós não há ninguém,
nós
somos nós mesmos nossa aurora!....
A poeira
cai brilhante e matinal,
trinam
aves em odor floral,
o
sol é bom, não é amor?
enche-nos
de ternura e de calor,
mas
quem brilha somos nós,
nós,
planetas um do outro,
nós
e nós e nós e nós,
a
atração e o encontro,
o
início e o final,
a
ascensão direta
à
consumação inicial,
o
raio de luz reta,
teu
corpo que me envolve,
cabelos
que ondulam nos meus olhos,
lábios
devastados a beijar,
e
o sol a ascender, luz radiante,
e
tu só, amor, é que eu vejo a raiar
–
primevo de força e alegria,
em
mim nasce, de ti, um novo dia,
amante,
amor, sabedoria,
emoção
nos limites do tremor,
tu
e eu,
amante
e amador,
vertigem
estonteante,
nada
bastante...
tão-só...
e só...
amor.
A
poeira é luminosa agora,
grãos
de calma que adormecem,
o
mundo acorda, há ruídos fora,
que
diria eu se me dissessem
que,
em ti, minha beleza se demora?
Sim...
Por
certo, sim...
Que
poderia eu dizer senão que sim,
se
toda a minha alma se sorri?
Ah!
ser-me aqui princípio e fim
Sim,
sim,
sim...
um
bocejo longo, cansaço, um olhar e um sorriso,
tudo
aqui,
beijo-te,
Sem comentários:
Enviar um comentário