Com a morte no peito, nos membros e na fronte,
executo os rituais fúnebres do sonho pueril –
como são todos os sonhos engendradores de vida,
pernitas de filhota a correr, riso descontrolado
infantil,
bochechas afogueadas de acumular tesouros de
bolotas
e as carícias ternas e húmidas de mulher selvagem e
gentil –
pelo qual sacrifiquei aspirações e ambições idiotas
mas talvez exequíveis, talvez realizáveis,
não fora a troca por objetivos aparentemente mais
viáveis
e, aos poucos, derrotados, aviltados, humilhados,
até nada restar dos horizontes projetados.
Agora, nada resta ou só os fragmentos amargos da
memória,
já não existe regaço a que voltar, já não há a
nossa história,
cada qual largado a vaguear à tona das correntes do
destino,
com a morte no peito, nos membros e na fronte,
um peso imenso na mente, no olhar e na expressão,
nem curiosidade já pelo que o fado esconde,
nem qualquer sentido, intento ou direção.
A dor, o luto, a perda jamais recuperável, a
agonia,
não só se acumulam no divórcio mil traições do dia
a dia,
mas o amor é transformado em negra opressão no
peito
até se fazer rancor e ódio e ressentimento e
despeito,
onde não há moderação ou sensatez possíveis,
antes dilaceramento, descontrolo e retaliação
temíveis.
Penteiam-me a alma decrepitudes de caráter
à medida que apodrecem em féretros vazios
o revolucionário, o poeta, o amante, o burocrata,
o pai extremoso, o marido diligente, o apátrida,
e em todos o fétido odor do falhanço ou do absurdo
que me deixa apático indiferente absorto mudo.
Já perco os traços do teu rosto tornado tão marcado
pelo sofrimento que partilhámos longe,
já esqueço o roçar da tua pele e o cheiro exalado
da intimidade mútua que ternamente habitámos –
resto fóssil vivo, exemplar de espécie em vias de
extinção,
último pesado mastodonte, cetáceo, rinoceronte,
cicatrizando mais uma chaga de um corpo em
putrefação,
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