são feitos das batalhas travadas cada dia
percorrem a guerra eterna da cidade
reproduzem os golpes as traições as feridas
variam conforme as alianças
conforme as táticas conforme as estratégias
e sobretudo conforme os inimigos
Os poemas sangram
esguicham de pulsos e são punhais
desabam gravíticos das torres
afogam-se estrondosos na rebentação
esperam o impacto de carros e comboios
escorrem das entranhas de mulher
amam o combate e a derrota
Os poemas sangram
dor pura feita palavra
são feitos de neurónios não de versos
feitos de desgraça e de tragédia
ou só de paz desoladora
entre os corpos do campo de batalha
quando a guerra avançou para outro lado
Os poemas sangram
mesmo no amor mais ainda na paixão
que abrem chagas pela alma
e lutam sempre por poder
mesmo na vítima indefesa
que através da compaixão
consegue alcançar dominação
Os poemas sangram
advêm da terra esventrada
bebem o veneno dos mananciais
intoxicam os lençóis
até definhar planta e árvore e flor
asfixiam organicamente os rios
até tudo ser dor angústia e morte
Os poemas sangram
pelas artérias rodoviárias
a insultar os movimentos
pelas instalações públicas
lançando olhares obscenos
pelas escadas pelos elevadores
antecipando a solidão e a tortura
Os poemas sangram
pelos antros pelos esgotos
pelo clandestino pelo sórdido
pelo oculto pelo conspirante
e desvelam intenções
denunciam os abusos
desmascaram violações
Os poemas sangram
pelo crime mais brutal
mas também camuflam
prestidigitam falseiam
embelezam a fealdade
idealizam o obsceno
e comprometem verdade
Mas mesmo na falsidade
têm a verdade da emoção
da cadência da música
vinda de dentro das veias
com a autenticidade
de um corte a espirrar sangue
ou de sangue vomitado
Os poemas sangram
as palavras no papel
e estas são estigmas abertos
que nos dizem sempre algo
sobre afeto sofrimento
sobre o bairro sobre a rua
sobre o mar e sobre o vento
mão a agarrar terra crua
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