Eu teria sido outro, é certo,
se
me tivesse entregado aos convites que fizeram:
há
quem me ache bonito, tenho um sorriso aberto,
nem o estrabismo me
impediria de receber aquilo que não deram...
Teria
sido outro e não teria em mim esta amargura,
seria
menos preocupado, saberia menos porventura,
talvez
invejasse um outro como eu,
talvez
quisesse conquistar o que agora tenho como meu,
e
tudo isto é triste, muito triste,
tudo
o que sou, tudo o que seria e não existe...
O
meu rosto de menino ou de menina
emoldurado
por uma lágrima a nublar uma retina
(tudo o que me quiseram dar
e eu não quis,
esta culpa confrangedora de
petiz
numa tristeza que afaga
toda a vida
e busca uma razão onde ela
não pode ser nem tão‑pouco pressentida
– multidões de caminhos
abertos
entre o que eu sou e aquilo
que seria
se tivesse feito aquilo que
não fiz
e em todos choros cobertos
pela ânsia de um outro ou
alegria
no caminho mesmo que se
quis
– tudo começa e acaba em
escuridão!
aquele além pensa-me com razão
e eu aqui a buscá-la no que
ele faz
para perdoar-me daquilo que
eu nunca fui capaz
e é tudo assim, naquele
além, em mim,
só o choro ainda pode dar
sentido a um possível fim)
foi
por certo amado, sofrido, desejado,
e
é triste o que deixei posto de lado.
Sim, por certo seria outro, talvez feliz,
se
tivesse feito aquilo que não fiz,
com
inconsequência suficiente para amar,
acreditando
naquilo que nunca ninguém pôde dar...
ah!
amar, amar, amar, amar,
todos
esses olhos que me olharam,
todas
essas bocas talvez que me mentiram e me desejaram
(tudo isto é espantoso,
tudo isto é falho de
sentido:
percebo o que em mim foi
querido,
busco-o, não o encontro ou
encontro-o noutro lado
– é sempre por outra coisa
que se é amado.
Há pessoas que se amam uma
vida inteira!
Sim, é verdade e é difícil
crer
que possa haver uma mentira
assim tão verdadeira,
mas, de alguma maneira, de
alguma maneira urge viver
– no fundo, a única verdade
é a de ter de morrer
e essa é um fantasma por
toda a vida
e não é nada quando realiza
a expetativa),
oh
sim, por certo há aí sentido,
pelo
menos o da minha frustração,
e
é preciso, é preciso amar
conquanto
isso possa ser só ilusão,
mas
aquele que ali vai e se consome,
vai
triste por nos seus braços ter alguém que o tome.
oh
tristeza, quanta a nossa fome
e
quanta razão para a sentir e ter –
tudo
tão triste por não ter sentido,
tudo
traições a mil promessas de viver,
tudo
chorar um poder ter sido,
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