Dia-a-dia, sobrevivo na ausência,
única
entidade que presencio.
Noite-a-noite,
afundo-me na inexistência,
sono
sem sonhos – silenciosamente me esvazio.
E
olho a cidade e está vazia,
e
ouço o ruído e impõe-se-me o silêncio,
fragmentado,
dissociação ou esquizofrenia,
unificado
apenas fora do que se me presencia.
A
tua ausência é mais presente que a mais pesada solidez.
O
teu silêncio é mais audível que o mais ensurdecedor ruído.
O
teu desprezo é mais tóxico que a mais humilhante embriaguez.
Pudera
acaso tudo isto ter sentido,
pudera
enfim virar a esquina e ser comigo,
mas
o destino impõe-se:
és tu que eu amo, és tu que vivo.
*
Gota
a gota, lentamente, sem cessar,
esvai-se
o sangue, esvai-se a força, esvai-se a vida,
sem
surpresas, sobressaltos, sem mudar,
em
rotina de anestésica despedida.
Bloqueado
numa espera já sem esperança,
semente
no fim de um inverno seco e frio,
desejando
já só qualquer, qualquer mudança,
nem
que seja a de um só derradeiro arrepio,
reconstruo,
às avessas, minha vida,
decrescendo,
dia a dia, mais um pouco,
exaurindo,
gota a gota, linfa e sangue.
Assisto
impávido à letárgica partida,
nem
já lembrando o poeta, o amante ou o louco.
Na
tua ausência resto até que caia exangue.
*
Invejo
Eco cuidando terna de Narciso,
repetindo
as palavras que ele lhe não diz,
reduzida
a ser sombra da sombra da imagem
que,
no lago, turva já, porque amada, infeliz.
Ao
menos, a Eco resta a guarda da mensagem
que
exangue, no suspiro último enamorado,
dirigiu,
solitário, à sua própria imagem,
o
inacessível, porque em si perdido, amado.
Pudera
corresponder amor a um teu “amo-te”
à
tua imagem, nos meus olhos refletida,
dirigido
– ser eu o lago de Narciso,
ser-me
eco e dor, por ti ignorado e ferido.
Mas
sou sombra só de um desprezo, de uma ausência,
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