não
conseguem ter um fim
–
são espelhos dos meus desertos,
de
tudo o que falta em mim –
frases
sós, sem sequência,
ou
deltificação sem curso ou rio:
espelho-me
em impotência,
egocentrizo-me
vazio –
não
digo quando me quero dizer,
fico
em nada por em meio ao infinito,
quando
digo há multidões para escolher
e
fico sempre menos e sempre me limito –
que
diferença pode haver
entre
esta imagem e a outra?
que
sentido existe em escrever
a
falta de sentido que me encontra?
–
Ridicularizar-me existência
de
indecidibilidade total –
não
me decido vivência,
não
ponho ponto final –
em
ausência total de uma razão
para
me obrigar sobrevivência,
tão-só
fujo-me à consumação,
covarde, absurdo
–
ridiculamente,
imponho-me encolhido à existência...
– invento razões para tudo
–
para escrever este poema –
e
sei sempre, no entanto,
que
nada em nada vale realmente a pena –
lá
fora só há vício sobre vício
–
nada do que eu quis, nada do que eu quero –
dentro
em mim tão-só um precipício...
–
nada dou, nada dei e contudo... contudo – espero
–
em completa egocentrização
(nauseado
de mim próprio),
exijo
dos outros a minha concretização
com
infinita, infinita compaixão
de
me existir repelência
–
masturbo-me de dor e solidão,
jogo
na equipa da excrescência.
Ódio,
só
o que eu sinto,
ódio
profundo –
ódio
a todos os que me esqueceram
de
haver alegrias no mundo
em
tudo o que me tiraram,
me
roubaram, me burlaram,
ciúme
de cada prazer, cada riso,
para
os quais não sou nem nunca fui preciso;
ódio
a cada momento de imposição
mascarada
eternamente
pelas
razões imperantes da segurança e proteção,
irritação
surda crescendo demente
a
limites de fúria sem passado e sem presente;
ódio
a todos, desejos de assassinar
– estrebucho-me em
direção a lado algum
e fico-me sem forças sequer
para lançar
uma imprecação maldita a
cada um
–
subjacente, fica só, enfim,
uma
raiva temente de afirmação,
ódio
também, ódio de mim,
ódio
da minha degradação
...
Rios
de água pelas ruas...
este
frio impertinente...
espaços
entre os sons e as paredes...
e
um mundo que rola indiferente
– A dramaturgia presente
(absurda,
inconsistente)
encontra-se sempre em estreia
por falta de público, de
cadeiras,
de balcão, de plateia –
e de um sentido melhor,
de uma razão, um
pensamento, uma ideia
Razões
e razões e razões
tenho
eu por certo muitas
–
ajudam-me indecisões,
impelem-me
a ausenciar-me direções
Ah! – Desfazer-me disto
tudo!
Ser imanência, presença,
decidir por atos e
caminhos
– extirpar-me de me ser
doença!
(A chuva cai fortemente
decidida a molhar tudo –
eu estou quase a ser
diferente
mas fico-me...
eh! sim...
contudo...)
Contudo
há sempre razão para hesitar,
para
ficar seguro deste lado da barreira,
temente
e sensato, um modo de estacar,
um
modo de não, de apenas, uma maneira...
Contudo
há verdade em tudo
e
forma de esconder o lado errado,
há
aquilo que ocultamos e, sobretudo,
oportunidade
sempre de olhar p’ró lado.
Contudo...
eh, sim... contudo – escrevo,
escrevo
a consciência de estar paralisado,
escrevo
e do que escrevo ficam, tão-só,
círculos
de incoerência,
incomunicabilidades,
subterrâneos,
concavidades,
ecos
de ausência
–
só ecos ficarão
de
cada transtornada vivência,
de
cada frémito de indecisão
que
me percorre vivo
em
tensa irritação,
de
cada momento sofrido
até
aos limites da voz,
gritando
até ao esquecimento
daquilo
que fomos, não só eu, mas todos nós –
Sim,
eu sei que amanhã, porventura,
nada
do que digo terá sentido,
que
cada delírio ou simples amargura,
cada
momento específico retratado e sofrido,
ecoarão
perdidos no vazio
d’um
mundo que descobriu outras razões,
não
moverão tão-pouco um arrepio
nas
consciências lúcidas de outras direções
–
muito mais aquilo que ora escrevo,
ausência
total de uma razão p’ra viver,
a
manutenção cadavérica de existir
até
aos limites extremos de não ser...
Para
quê então continuar a escrever,
insistir
em coisas que não consigo dizer
ou,
se consigo,
não
lhes consigo sentido?
Tudo
parece perdido
mas
eu aqui
à
procura da palavra que concretize
o
sentimento limite que é necessário expressar,
o
polícia usual, o ladrão e o deslize,
a
rapariga que espera príncipe que a venha amar,
o
anarquista frustrado em ato alucinado,
a
mãe obcecante d’uma proteção genital-uterina alienante,
o
político ao poder, o ébrio errante,
a
vovó ao seu netinho, o mártir santo,
o
empresário ávido de tanto sobre tanto,
proxenetas,
secretárias, escriturários,
pedintes,
vadios, junkies e bancários,
dialética
de conter e explodir
desvairando
variante no infinito humano de existir,
o
excremento – o importante,
liceal
compreensão linearizante,
o
filósofo encriptante clausurando-se a ser além da vida,
o revolucionário
endinheirado escrupulizando-se na terra prometida,
a
dona-de-casa infinitesimal ao dia-a-dia,
o
burguês descrente de possibilidade ou alegria,
o
operário glorificador do trabalho que o anula,
essa
gente imensa que pela terra imensa pulula,
todos
sofredores e assassinos,
todos
ausentes de direção, falhos em todos os caminhos,
todos
reduzidos à ajuda de ninguém,
todos
procuramos um sentido
– iludimo-nos ou não,
fantasiamos ou não –
mas
todos procuramos um sentido,
possuir
algo definido –
e
falhamos – na ânsia e na própria possessão –
eternamente
autodestruídos
até
infinitos de traição
– Nesta devassa de
sentido,
desesperadamente, eu
busco-o último na ausência:
escrevo-o para me manter
vivo,
em instinto de cruel
sobrevivência
–
Mas nem a ausência consigo,
nem
a ausência eu agarro,
nada
nela defino,
nada
dela me fica,
tudo
se mostra em processo incontrolável,
foge-me
última esperança de permanência,
nada
me resta de tudo inagarrável
–
isto que fica, estas palavras
–
nomes de inexistência,
sons
e ruídos de nada –
não
me dão nada nem dizem nada,
ecos,
quanto muito, cortes de referência,
ecos,
ecos de ausência.
Escrevo-os
sem qualquer fim ou razão,
desapaixonadamente...
quem
quiser um caminho, uma direção,
terá
de procurar algo diferente –
eu
estou aquém de tudo –
apenas
me não iludo...
a
chuva continua a cair;
vultos
passam aqui e ali;
ninguém
interpelo a seguir
por
ali ou por ali ou por aqui –
um
trovão ribomba lá no alto;
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