Da dor, o meu poema quer olhar
para
horizontes satisfeitos de alegria
e
na visão do repleto anunciar
o
fim da noite atroz já alvorada ao novo dia,
mas
a falta é que convida à conquista
e
a conquista é que ao lutador apraz:
quer-se
além a alegria que se avista
mas,
ser da dor e aqui na dor, à alegria só dor traz
–
assim quer, separado, o ansiante,
ansiando
de chegar mas evitando,
e
até o avistado envida à dor em ser distante
–
assim fundado, vai, de impossível, à dor fundando
–
se possível e concretizado, letal seria
–
mas não: em si farsando, é realizado pela dor
pois
o seu rosto, só ao longe é de alegria –
aqui é nada,
pretexto à luta, símbolo de morte,
eufemismo do
ansiado,
pretendido, desejado por
temido
ser para a agonia
–
do apartado,
o
gozo:
a solidão quer-se apartada
lutando
até consecução contra o apartamento,
tudo
na forma de obstacularidade hiatizada
incitando a
superar-se por conquista/incorporação do próprio rompimento
–
dissimular prazer na esperança dolorosa de prazer amanhã
de prazer um dia
– mas o prazer
é luta, não cristalização – é forma de sofrimento
ou
então outra que não esta de aviso e de vislumbre
embora
seja separação origem possibilitante de alegria
–
da dor, se transcendente, toda a alegria é prestidigitação,
além,
só a dor da dor em meu poema se anuncia.
Nervos
puxados à distensão maior,
retorno
eterno à possibilidade de doer,
enclausuramento
em busca ao infinito do mais de íntimo
por
absurdo de à alteridade me mover.
Da
dor, o meu poema se absorve
e
eu me obceco na absorção
–
vivo em excesso de tensão e a tensão me move,
rumo
claro e evidente para a consumação
–
da dor me dirijo à exclusão
de
ser para além da dor e ter sentido
e,
lúcido, mais me dou à direção já dada:
ser
para a morte dirigido
por
excesso vital intimamente extrovertido.
Só
resto de sentido em dar-me à dor que me formou
–
relâmpagos de fuga e reencontro,
tentar
olhar p’ró lado e me esquecer
mas
ser apenas o que no futuro já passou,
o
será que apenas foi sem nunca ser –
Afirmo,
pois, por fatal, aquilo que ‘inda e já sou
e,
decidido e passional, à dor me dou.
Mas
sempre me reporto e sempre me diviso
e
titubeio sem força para ser presente
–
hiatizado sempre, mais sempre me divido
sem
integridade que se patenteie de imanente.
Lançado
ao esporádico abismal de ser inteiro,
me
deliro obcecado em persistir-me afirmativo
mas,
impotente, recaio-me em permeio,
apenas
forte no falho, obliterante, reativo.
Da
dor, o meu poema, ferido e desvirtuado,
se
lança, então, alucinado na voragem,
intrépido,
de impotente e de frustrado,
à
temeridade mais selvagem
–
enfurecido se perde e se destrói
e
não alcança jamais consecução
–
eterniza-se dorido por antagonista ao que dói
e
afoga-se, revolta e lucidez castrante,
sempre
a um passo, sempre participação,
sempre
não poder desistir de intencionar afirmação
em
mais asfixia, em mais, em mais,
e,
sempre menos, maior impotenciação –
da
dor, o meu poema desespero e aflição.
(Contenção
breve inevitável do desvairo,
arfar
um pouco, arfar, arfar...
Mas
o aguilhão aspirativo instituinte
insiste,
motivando a cada nada, em mais aproximar;
aproximar
de nada em aproximar ao infinito
–
pois que Zenão tinha razão –
mas
quem, se sujeito, não hiatiza
e
se relaciona na separação?)
Ah!
raiva absurda, ira-te ao demais
e
bate com os cornos na parede –
domina
e destrói com precisão
até
saciares com seca a tua sede.
Há
que domar ainda e provar mostrando algum domínio,
há
que incidir e violar recolhimento,
há
que ser demonstrativo até ao menos de impotência,
há
que pisar resignação e ser intento
–
possibilidade de expressão, cada momento,
vitória
em expressar até mesmo diasporando,
sendo
a expressão o seu próprio fundamento.
Da
dor, o meu poema rasga, hiante,
tiras
de vivência ao real
e
se dirige, incisivo e dilacerante,
à
expressividade maior de vitalização letal,
pois
é de em mim que se consecuta o desmembramento,
a
mim referido em referência ao mundo,
em
mim se sequencia a partir do sofrimento,
de
mim se forma e ganha-se ecoando-se profundo
–
expressão de ser existe,
delimita,
define, atinge, exprime, é dardo,
mas
o mundo incorporado ali persiste
persistentemente
ignorado
–
de, a, em mim indistinto a mundo,
mistério
eu senão a dor intuível
e
a dor forma como em si se finaliza,
a
dor engole-se expelida,
a
dor me realiza,
torna
tudo meu e me faz seu,
em
si me dá -sistência e centraliza
–
da dor, meu poema e eu.
A
forma de ser eu me formaliza,
mas
este centramento recolhido
cria-se
retrativo ao sofrimento
–
eu, consciência de mim e de mundo intra-apartamento,
sou
da dor produto como movimento de temor,
existo-me
na medida do meu medo
e
a sua transcendência de tremor
não
transcende jamais ser-me degredo
em,
de ser o mundo aqui e agora, ser alienação,
negando
o não poder deixar de ser afirmação.
Da
dor, o meu poema fala cambiando
até
ao fundamento do temor
–
compraz-se impotente, transmutando
desespero
em orgástico estertor
–
sofrendo orgiástico deambula
em
espanto primevo ao pavor –
estilhaça-se
disperso exprimindo-se plural,
consecutando-se
frustrado de mil formas –
conspurcado
se exalta destrutivo,
mil
sentimentos e furores,
dilaceramento
de alucinado vivo
perdendo-se
em hiatos oclusivos
fundados
em recolhimentos amedrontados,
todo
o medo fundador de consciência e humanidade,
suores
entretecidos no prazer febril de ser tensão,
dizer
e não chegar expressividade,
mil
formas de querer sofrer em toda a direção,
angústia
ferir-se revolta desesperada frustração terror,
gemer-se
abandonado à dispersão,
farsar-se
e disfarçar-se em dizer-se e ser ator,
exprimir-se
intensamente até à ausência pretendida
fazendo
adivinhar prazeres recônditos,
obscenidades
conseguidas em agir corruptor,
em
tudo mostrar fraqueza e covardia,
indiciar
o gozo e ser só dor.
Da
dor, o meu poema, a agonia.
Suspendo-me intenso de
exaustão
– não me expressei, nem
gozei ludíbrio –
falhei-me umbilical
masturbação
por ser já resposta à impotência
e frustração
– dirijo só palavras que
me digo
sem expressar-me além de
ser comigo
e que é ser senão
manifestar?
– esgoto-me em ser só
para mim...
Mas não será
necessariamente assim?
e aquilo que
intento, idêntico ao dado agora aqui?
pois
que ser senão possibilidade?
Concentro-me e diviso a
identidade:
É indiferente, na
afirmação inevitável,
a unidade ou a dispersão
e o mesmo
movimento centrifugador da mesmidade
determina o centripetar
a alteridade.
Assim,
Da
dor, o meu poema, dia após dia,
traduz
as nuances do possível
e
o possível se inevitabiliza, se circunstancia,
mostrando-se
real-aqui todo o traduzível,
combinando-se
quotidiano dementemente concentrado em dispersão,
e
o possível existe-se, ao imaginável, excedível,
e
o possível se transmuta em concreto,
explodindo
diário para aqui de toda a direção
–
infinitos os modos de transmuta e variação,
e
todo existente supera a sempre insuficiente fantasia,
os
que podem ser são os que são.
Da
dor, o meu poema, o dia-a-dia.
Desresponsabilizado,
o poema surge,
sempre
o mesmo, mesmo se o altero
–
olha, desenvolve e se retorna ou incorpora e se devolve
–
tudo pode, tudo intenta, tudo é total e mero.
A
afeção é idêntica à vontade,
todo
o requerido já verdade.
Para
além – identificações desnecessárias
–
escrevo e fica escrito
e
segue rotas estranhas, arbitrárias
à
pretensão de, de mim, ser-me registo.
“Veias
impondo músculos veiculantes,
eu
me afirmando, eu me querendo, eu me dando”
–
ingenuidades iludentes de frustrado,
sublimações
doloridas de falhado –
pois,
Da
dor, o meu poema se ergue hierático,
autonomizado
na letra sublimada,
e
se determina estranho a mim, estático,
aberto
à penetração estranha à apropriada
–
é texto para lá de senso próprio,
devasso
a toda a significância imaginável
que
se forma em escritas de leitura
direcionantes
à justificação e violação
de
mil sentidos estrangeiros e imperativos
conquistadores,
em prol de si, de mil certezas de significação
redutoras
da diferença aos seus motivos
em
subserviência à lógica do mesmo/recolhido
à
obsessão do temor ao todo já sofrido
–
erguendo-se da dor, diverge-se e signo se vagueia
até
ser recolhido, ausente e já mentido, tão-só pela dor alheia
– na dor, o meu
poema, em autonomizar-se é subordinantemente possuído,
por
identificação apetitiva, compensatoriamente deglutido.
Mas
insisto, ainda assim, num sentido para mim,
guloso
de exclusividade até à possessão,
e
frente à evidência mais flagrante
desvio-me
de enfrentar para me entreter na ilusão.
Afasto
a impotência aspirativa estruturante
e
uso em prazer possível a dinâmica carenciante
jogando
o vazio contra vazios –
entreteço,
a gozar eterna insaciação,
tesões,
tremores e arrepios,
querendo jamais
consecutar a já impossível fundente copulação.
Da
dor, o meu poema se dejeta
por
auto-compaixão
e
prazenteiramente se reserva,
sofrendo
a contenção,
para
os excessos orgásticos da agonia,
gozando-se
expressão da maior dor
–
em vício, me alastro pleno de asco
e
gozo-me em repugnância que me sinto
e
multíplice de gozo, culpa, dor, gozo até estertor,
eu
concluo o maior triunfo da derrota
de
que é processo a dor –
transposição
do medo na perda de sentido
realizante
da força que o formou
–
à dor, no meu poema, eu me entrego,
possuindo
vorazmente aquilo que eu mesmo dou.
Da
dor, o meu poema bebe o sangue
e
se alimenta muito gordurosamente,
por
seus recessos pútridos se lambe,
martírico
se defeca insistentemente
no
gozo de se enojar de si e ser além
–
meu poema, na dor, é consistente,
embora
de forma oblíqua, não fundante,
antes
consequente à origem de ele ser expressão
–
e, no entanto, antecedente, há uma antiga solidão
que,
expressando-se, se desvia à auto-confrontação
–
aí é mais consistente
o
seu sentido dorido
e
o gozo que é presente
é
só manobrante distrativamente
para
longe do escondido:
a
dor que em poema quero ausente.
Da
dor, o meu poema, ainda assim, transpira
um
passado recalcado e mentido,
devaneando
um rosto transfigurado,
perdido
de ser fim ou ter sentido,
boiante
num inevitável restar vivo
enquanto
não é dado por passado,
realizando-se
no por si fertilizado.
Mas
disso fujo e supremamente me contenho,
dominando
interditoriamente
toda
a aproximação à beira do abismo
–
mas ele me atrai e é presente
na
própria contenção,
latentemente
seduzinte
à tentadora transgressão.
A noite,
um firmamento estúpido e
ausente,
febril e feio, incluso
frenesim persistente
– cedo ao desgaste,
dou-me dilaceração,
fustigo-me nefasto exclamando-me
questão,
angustioso me fadigo
tensionante,
gozo-me em estrutura
declinante
até à maior imersão
numa mais dispersa
multiforme
orgástica degradação –
Explodir
em todas as direções
como
necessidade já imperante sobre a antiga contenção
–
ser supremo em destruição
depois
de esforço impossibilitado
na
própria intenção impotente
de
alcançar consequente libertado
–
independência final pela decisão suicida –
autonomia
negada ou indecidida
que
em tensão nervosa ou colapso
se
afirma em pontuar final
–
lançado fora o rumo numa diferença sempre igual.
Cansaço
de ludíbrios e muletas
sempre
desculpadas por um ser além agorizável
mas
sempre traído e execrado
pela
própria esperança realizável
–
afirmo-me de impotência ser viril,
requesto-me
à baixeza em me ser mais,
divago-me
à dissolução mais vil
e
em maior e mais enojante corrupção
sou-me
enfim agente e geração –
Dejeto
de mim sou-me lançado
e
por nada trocaria esta agonia
–
estertor de estilhaçamento, esquecido e isolado,
sou
exclamação e tenho dia –
pegadas
são-me já nestes meus pés,
passos
dados em se darem sem intento,
vagueio-me
da intensidade à ausência,
presença
mais forte no mais forte esquecimento,
fusão
obstacular e rígida a músculo e nervo,
imanência,
fatalidade
assumida de arbítrio e vontade.
Indiferente
que tudo exista ou não,
neste
estremecimento de se ser
até
à verdade mais exangue,
no
golpe único e final
patenteante
em real supremo
da
fundação única do sangue.
Eis desvelado o
fundamento
e um olhar trágico que o
teme
– uma verdade que se
afirma em momento,
mas segue sem nós,
devindo indemne:
o é de todo o instante
aqui
e toda a possibilidade
em imanência
– apenas foi, será, para
lá, fora de si,
o que jamais é, o além,
a transcendência,
e é o
transcendente o que não sou
nem posso ser
nem sequer ter,
aquilo a que,
mesmo intencionando, não me dou.
– Em sangue vivo e sou-me só este viver
– porquê então
ao sangue me encolher,
ficar aquém de
enfim me ser?
Entre temer e defrontar,
pausa sobre pausa e o absurdo em
cada ato
– demasiada direcionalidade intra‑intencionada
e só eu, em mundo, presente, dado ou
facto –
– um momento de indecisão,
de falta da coragem necessária,
e tudo a fluir de novo –
fora agora, distância indiferente e
arbitrária.
Sobre o mesmo abismo, apetição e
irascividade,
sobre o mesmo
abismo se ergue puro entusiasmo e total vazio,
sobre o mesmo abismo, o efémero, a
eternidade,
sobre o mesmo abismo, a embriaguez e o
calafrio,
e um único
momento, um único, transmuta um contrário no oposto,
uma fútil
decisão ou o mínimo gesto hesitante – o menor olhar
inverte o
sentido das ondas de intensificação ao ínfimo abismático,
inverte a
intrínseca ressonância, a dinâmica da força, o modo de estacar,
um único
inadvertido momento, um único, sem significado,
sacraliza ou amaldiçoa a inteireza de
uma vida,
decide pela presença, condena ser-se em
ausência,
arrasta e
fataliza as possibilidades de ser de uma vivência,
um único momento e um tipo de vertigem
sempre sobre o mesmo hiático abismo,
a falta de um gesto decisivo,
estacar cansado de excesso apetitivo
e tudo a correr de novo no reverso
como se fora sentido de algo o seu
inverso –
um momento sempre não notório,
sem adivinhar consequências,
uma paragem nos limites do abismo
e o vazio a
arrastar, inúteis já, ao devir, as resistências...
Olhos
longos demandam sem alcance...
clímax
ambicionam sem poder...
–
areias movediças e langor...
entorpecimento
em me ser dor...
A
autonomia está cansada,
só
busca, enfim, compensação;
deglute,
sem vergonha, apaziguada,
bonomia
e solidão –
Voltar
atrás? recomeçar? ser festa?
relançar
a força em golpes de vontade?
A
derrota é o que resta
e
sem retorno nem verdade.
Temor
de sangue, apetição à vida,
instalar
a morte em manter carne,
quando
a carne quer-se sorvida,
tragada
pela terra que a formou.
Não
querer dor é já fugir à alegria,
preferir
adormecer, sonhar, a estremecer,
a
vibrar de intensidade e de ser dia
até
aos limites de ansiar e de sofrer –
Não
querer morrer é não querer terra,
temer
o sentido de viver,
fugir
à luta, à tensão, fugir à guerra,
petrificar-se
em paz se entorpecer.
Fraquezas
se congregam no meu ser,
sinto
sono e quero me esquecer,
incomoda-me
o passado, incomoda-me pensar,
ah!
deixem-me fechar os olhos, sonhar, sonhar...
Quero
esquecer vergonha e culpa,
ser
suficiente e vazio,
dissolver-me
lentamente,
no
quentinho, sem ter frio.
Acalentar-me
a mim próprio,
aninhar-me
no meu colo,
regressar
ao meu umbigo
enternecido
sorrindo
quem
me espicaça ainda fundo?
quem
me fala e me envida?
que
tremor e que revolta?
esqueci-me
do desespero,
retornei
ao meu umbigo,
não
quero ter de viver,
mas,
Da
dor, o meu poema geme fundo
e
anseia alegria que o devolva
forte
ao que o formou, ao mundo,
anseia
paz ou dança que a dor dissolva
ou
lhe dê textura de sentido que, ausente,
vagueia
hoje, irrisório ou mesquinho,
numa
compensação qualquer redutora e instaurante de caminho;
anseia
voo, quer querer-se instante permanente
que
se afirme mesmo dor, mesmo sozinho,
altaneiro
alegre inevitável destino,
mesmo
sem rumo, em tudo ao desatino,
quer-se
rindo, quer querer-se a si,
deixar
hiatos,
ser o mundo em ser aqui.
Momentos
longos, acabrunhados em ser lá,
em não se
afirmarem, não se serem –aquém de ser em ser além–
pairam
pesados e fatais ao que virá,
cada
qual sobrepujado pela dor, cada qual ninguém,
dor
amorfa, sem músculo, nervo, sem tesão
–
anestesia – ausência – esterilização –
momentos
sempre a medo, em medo iguais...
da dor, o meu poema
quer-se mais
–
quer a diferença afirmadora de se ser,
quer
punho erguido – olhar farpante – demolidor
e
o berro antigo lançado vivo do momento de nascer,
afirmativo,
forte, tenaz – o meu poema – da dor à dor.
A
dor como sentido me percorre
e
sou-me enquanto sofro – em dor me vivo
–
prazer é o sangue que me corre
e
matando é que, carnívoro, sobrevivo.
Despojado,
sou-me livre e tenho voo,
cada
gesto dirigindo afirmação,
nervo
ereto, distendido a calafrio,
mas
enfrentando em limite de paixão
a
aniquilação que me anuncio –
Quero-me
a ser eternamente
o
momento em que me digo a morte
e
na dor em que derroto manutenção
sou-me
enfim destino e porte
–
clímax maior em estar nascente
e,
antes que me canse e me derrote,
afirmo-me
em ápice tremente,
frente
ao sol e dor, em me dar morte.
Da
dor à dor maior, o sentido de viver
–
anel de retorno até cair exangue –
Nada
mais que poema místico de ser
alfa
e ómega da verdade de ser sangue.
Da
dor quero morrer eternamente
já
que é o sentido da tensão,
quero
gozar aos limites do fremente,
quero
intentar, quero criar, quero paixão
e,
senão houver mais a gerar,
quero
a carne enquanto corrupção,
penetrando
a terra e, em seiva,
ser
de novo agente e geração
–
que da terra é meu sentido e verdade
e
da dor o meu começo afirmativo
até
esgotar-se eternidade,
até
espalhar-me e ser vivo
ao
limite do universo
em
assunção de infinito,
situando-me
na plena dispersão
da
mais derivante orgástica dissolução
–
da dor, o meu poema se aniquila
em
querer autonomia e ser afirmação,
gozando-se
maior no espasmo explosivo
em
dor por dor princípio e fim completos na maior destruição,
força
terrível de afirmar a própria negação,
tensão
plena no limite mais carente
até
só ser enquanto pretendente,
até
esgotar-se fazedor e, porque não?,
encontrar,
na realização do, à partida,
impossível
ou contrário à vida,
a
sua própria íntima satisfação –
restar,
no fim, consecutado e feliz,
na
placidez triste da recordação
–
tudo se fazendo para mais tarde ver-se em beleza
o
rosto passado enfrentando o impossível
com
infinita melancólica tristeza,
olhando
satisfeito o cada vez menos visível,
os
contornos se apagando
e
apenas símbolos ficando,
signos
de uma dor passada,
de
uma intensidade antiga e não saudosa
pois
só significante em dar sentido
a
uma velhice e paz radiosa,
liberta
e ponderada, eternizando cada momento vivido
–
o sol põe-se num horizonte entristecido
mas
por fulgurar final em alegria
–
o vaso transborda de emoção e sentimento,
revisitando
a vida, momento a momento,
e
lágrimas felizes caem, celebrando, em nostalgia,
a
dor, o poema que se presencia –
transmutação
e magia
no
despojamento final,
o
poema torna-se elegia
e
a dor iguala-se afinal,
em
comoção, à alegria,
à
felicidade total.
Da
dor, o meu poema se faz dia
e,
revolucionando-se solar,
é
noturnamente em harmonia
e
esvai-se despojado a amar
–
mas o poema em expetativa
é
o que castra o poema aqui,
o
reportamento que em fim visa
é
vazio intimamente em si
–
visar o gozo da conquista completa
em
vez de a conquistar
–
acalentar-se em esperança repleta
do
que é por oposto ao aqui estar
–
esvaziar o sentido do instante
na
satisfação de antever o só distante,
protelando-o
e assim o mantendo cada vez mais p’ra diante
–
sinal de perda da força passional,
afirmar-se,
na própria criação,
criando
o sentido fora do criar, no ideal,
e
dando sentido além a alcançar à sua própria expressão,
concebendo
mistério e segredo a desvendar
o
tão-só produto da própria e fundante imaginação
–
necessidade enfraquecida de, só se reportado,
vivenciar
a presença criativa da própria possibilidade,
incapacidade
de ser tão-só, de alteridade despojado,
no
seu agir expressante – todo o mundo e verdade
–
restar esperando o dia da vontade,
sempre
sem propício na quotidianidade
–
o corpo degradando-se inerte assegurado,
alienado
pela castração mais funda
e
querendo-se tão-só anestesiado
–
e a vergonha a inundar fria e imunda...
Na
dor, o meu poema se redunda
perdido
nos círculos da dor amorfa que nos funda
e
nos labirintos que se sucedem sem saída,
circulando até
ao desalento de não poder jamais em corpo a eternidade,
e,
recomeçando sempre a aspirar além da dor,
sempre,
impotente, gozando a antevisão
e
sempre desvelando o seu sentido prestidigitador
e
sempre desdobrando-se comprazendo-se auto-compaixão
e
sempre ficando ainda assim necessidade de ser mais
e
sempre falhar paixão e retornar a ideais
e
sempre, se ainda intentando ser a força que é de si,
sempre
falhando a integração da força já inevitavelmente aqui
hiaticamente
mantendo limite ao pleno, ali, ali,
passionando-se
desvairo possível ao estertor
até
à mais absoluta asfixiante impotenciação,
despojando-se
até ao nuclear da hiatização
e
deparando fundamentos recolhidos em temor
até
patentear na possibilidade a estruturação
da
dor geral castrante de fugir à dor
e
não poder libertar a frustrante castração
e
sublimar ainda expressando a própria ausência de sentido
e
gozando a derrota por impossibilidade de se gozar vivo
e
conspurcar-se pocilguento até à maior execração
e
desvendar angustiante a traidora progressão
e confrontar-se
com os abismos memoriais da irreversível original traição,
dilacerar-se
final em toda a direção,
indecidir-se
no patenteamento fundamental,
desistir
prostrado indiferente à degenerescência
e,
final, aspirar ainda e de novo antevisar
por
insuportabilidade envergonhada da impotência
e
de novo fundar na dor uma nova transcendência,
exorcizar
em poema a própria insuficiência
e
desvelar de novo o absurdo de hiatizar
e
querer-se ser em si e todo em imanência
e
diasporizar passionalmente em força a intentar
e
ver de novo o sentido no preenchimento além
e
de novo desvelar prestidigitação
e
de novo redundância, angústia, desilusão,
desespero,
petrificação, desistência – inação – ninguém
–
círculos prostrando-me final e indiferente
até,
sem força para, nobre, o sacralizar,
do
próprio ser para a morte, desistente
–
e nada mais na dor que se possa poetizar.
Da
dor o meu poema, vazio, se emudece,
não
só descrente, mas absurdo,
calando
a própria fundante e inevitável expressão
por
indiferente o que quer que se diga ou não
suspensão
um
sabor amargo perdendo-se na boca,
um
olhar obliterado, baço, sem intimidade,
manter-se
a fazer o que outros fazem,
festa,
trabalho, casamento, maternidade,
tudo
mecanicamente, arte do absurdo,
indiferente,
sempre indiferente, o sentido, a justiça, a verdade,
cacarejamentos
de convicções e contemporaneidade
entretentes
desse mundo, dessa gente,
que
desprezo e a que pareço, cada vez, cada vez mais,
mais
e mais deprimentemente,
até
à náusea mais contínua e persistente,
mais
redutora a indiferente – indiferente,
mais
inerte, mais amorfo, mais carente,
mais
idêntico ao público, a toda a gente...
e
as coisas e os tempos afastam-se de mim,
fluem
em direção a não aqui,
escapam
a ser e são-me fim
passando
de aí a ali, ali
escapa-se
a vida, escapa-se a dor,
escapam
ternuras, vai-se a paixão,
escapa-se
a cor, brilho, fulgor,
e
a penumbra,
a noite,
o tempo,
a solidão,
irremediável
sentimento de perda,
absurdo,
contínuo,
amargura
e nostalgia,
frente
à vida, frente ao mundo
–
a circularidade de tudo,
fundante
do ser de todos,
pagando-se
da teimosia
em
que insisti e fiz via
–
a indiferença dos Pança
a
conquistar D. Quixote
–
nem restando para herança
a
força que me era dote...
Dor
esbatida, dor constante,
compassiva,
aniquilante,
torno
nada o pessoal,
olhos
tristes de plebeu,
identifico-me
igual,
em
toda a gente sou eu.
Ainda
aí se existe
e
faz-se e a transmutação persiste,
mas
absurda e mimética,
de
fora, como ausentada,
dor
infinda e desprezada,
dor
de si mesma castrada,
dor
total e redutiva
de
tudo a ser-se alienada,
tristeza
incorporando dorida
meu
poema feito nada.
Esperanças
e sonhos – anseios,
magias
visadas, segredos,
mistérios,
carícias e seios,
torturas
batalhas degredos
–
tudo deixado de lado,
todos
seguindo indiferentes,
abandonado
o chorado,
cerrados
de vez os dentes.
vez
em vez, queixumes inda,
mas
sem força, sem verdade,
ocultando,
distrativos à memória,
a
própria impossibilidade
de
ser-se paixão ou história
restar,
restar, funcionando,
lassidão
e desencanto,
o
real, o verdadeiro, o quando
se
vê tal qual e tanto sobre tanto.
Indecidido
ou vazio, suspenso ou tão-só só nada,
o
poema fica perdido no excesso diferencial.
Em
dispersão, que toada?
despojamento,
para onde?
em
nada, que interessa a dor?
como
a vontade? qual o amor?
é
tudo igual, tudo igual...
triste, ausente, fatal
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