perfeito o fruto,
perfeito o voo
de alado adulto.
Perfeita a voz
de ária saudosa,
perfeito êxtase
no qual se goza.
Perfeito um rosto
feito expressão,
perfeito agosto,
satisfação.
Perfeito o dia
que a luz refrata
com a alegria
de uma gaiata.
Perfeito o enleio
do apaixonado,
perfeito o seio
adivinhado.
Perfeito o riso
jovem feliz,
perfeito alcance
do que se quis.
Perfeito amor
e o seu deleite
tal qual ardor
com que é aceite.
Perfeito o sono
após entrega
com a dormência
que a pele navega.
Perfeita a paz,
serenidade,
por mais fugaz
a brevidade.
Perfeita a Terra
vista à distância
pelo astronauta
em vigilância.
Perfeito o sol,
a irradiação
de cada raio,
cada fotão.
Perfeito o ser
afirmativo,
nascer, crescer,
ser forte, ativo.
Perfeito é
tudo que advenha
e cujo ímpeto
nada detenha.
Mas, dessa forma,
perfeito é
não só ser cume,
também sopé.
Perfeita a meta
que se remata,
tal como a seta
que o gamo mata.
Perfeito o engano
de uma traição,
como a malícia
da sedução.
Perfeito o crime
arquitetado
com a minúcia
de um rendilhado.
Perfeita a falha
do derrotado,
como a inépcia
do desastrado,
assim vergonha
num humilhado,
assim peçonha
n’ envenenado.
Perfeita enfim
a privação,
não só do ato,
mas da paixão.
Perfeito o fardo
do responsável,
constrangimento
d’ inadiável,
e o sacrifício
do proletário,
como o suplício
do solitário.
Perfeita a dádiva
da castidade,
recalcamento
da honestidade.
Perfeita a morte
e a corrupção
da carne a monte,
putrefação.
Perfeita a fome
desde nascer,
em cada dia,
até morrer.
Perfeito instinto
que insta a fazer
querido filho
p’ra perecer.
Perfeita a gula,
indigestão,
que a diarreia
purga p’ró chão.
Perfeito o ciclo
que faz estrume,
nova colheita,
novo legume.
Perfeito o fogo,
rescalda o velho,
brotando o novo
do ardor vermelho.
Perfeito o horror
com que inda berra
um desmembrado
de qualquer guerra,
e assim cidade
abandonada
com os seus prédios
em derrocada.
Perfeito o cheiro
de uma lixeira
e o chafurdeiro
de uma rameira.
Perfeitos passos
em que perdura
a luta infinda
contra a secura,
e no deserto,
em vez de auxílio,
se encontra abusos
do seu exílio.
Perfeitos gestos
dos tresloucados,
vazios afetos
de alucinados,
furores e uivos
mostram tortura
a transtornar
mente em loucura.
Perfeito fim
a colisão
entre planetas
em atração
ou ‘té melhor,
gradual fusão
levando estrela
à implosão.
Perfeito espaço
dito vazio,
vácuo sem traço,
límpido e frio.
Perfeito nada
que a alma insana,
triste e cansada,
busca em nirvana.
Perfeito sim,
perfeito não,
é perfeição
contradição.
E assim se Deus,
caso existir,
é perfeição
sem se cingir,
ao infinito
ser soberana
superação
da que é humana,
só poderia
ser e não ser,
tanto o mirrar
como o crescer.
O maior brilho
e a escuridão,
um fixo trilho,
caos, confusão,
e tão presente
na mão que afaga
quanto demente
no fio da adaga.
Ser absoluto
de adjunção,
fazer do luto
celebração.
Claro que há
quem Deus conceba
um ser que abstrato
só o sim receba.
Noção absurda,
maximizar
o que só existe
se variar.
Vida sem morte?
Brilho sem sombra?
E, sem doença,
saúde infinda?
E a felicidade
sem sofrimento,
inanidade,
‘nfastiamento?
Mundo é dinâmica,
riso e comédia,
tensão no drama,
dor na tragédia.
Ser um só lado
não é ser puro,
significado
de som absurdo
que só parece
ter um sentido
por ser do ser
abstraído.
Ser é ser luta,
é ser ação,
desde disputa
até paixão.
Lobotomia,
sem incisão,
sofreu quem quer
o sim sem não
ou talvez seja
a frustração
que enfim deseja
só castração.
Qualquer que seja
a sua razão,
nunca é mais nada
que abstração
lá projetada
por poder cá
só desejar
lado de lá.
Como nem há
qualquer além,
resta-lhe ser
delírio aquém.
É assim perfeita
a imperfeição,
o azul no céu,
escarro no chão.
Ser soberano,
manchado e puro,
infindo oceano,
musgo num muro,
ser impessoal,
sem lado ou escolha,
sem bem ou mal,
verbo que acolha,
indiferente,
sem consciência,
cujo desígnio
é a sua ausência,
é só o possível
possib’litando
renovação
do que se vai
já desgastando...
...
barata a fugir da luz,
minhoca a furar a terra,
infeção a excretar pus,
semente que a enxada enterra
– beleza tímida ocultada por
capuz,
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