O silêncio devolve-nos ao vazio original
o vazio de que procuramos escapar
pelo ruído pela agitação
apenas para o adensar cada vez mais
até o tornarmos espesso em trevas de carvão
que nos impedem respirar liberto qualquer ar
enterrados em toneladas de aflição
Por vezes o silêncio silencia a voz
que parece nunca se calar dentro de nós
deixando apenas o hausto
com que eternamente se deseja ter
tudo volúpia iguarias fama ostentação e fausto
por essencial e irremediável deficit de ser
Aí se encontra o vazio original
sem forma ou rosto sem bem ou mal
que impele tudo e todos numa diferença sempre
igual
numa desmesura sem princípio ou fim
fragmentada delimitada quase contida
nas infames perversões que habitam cada qual
cada uma mascarando-se numa finalidade definida
Assim se sujeita o sujeito a uma eterna
sujeição
escravo desse vazio incompreensível
pelo qual é incontrolavelmente determinado
sem consciência disso mas tão-só do fim
como se fosse coartado não pelo desejo mas pelo
desejado
quando este é só pretexto para se aliviar
da insuportabilidade de se ter origem na eterna
falta
que jamais se saciará com qualquer alvo
mesmo em delícia que a gente toda exalta
E o abismo em que tudo se inicia
é o mesmo em que tudo afinal acaba
com a diferença do inicial dar permissão
a mil e uma formas de ilusão
não consentidas pelo terminal
– para quê? reflete a voz
– para quê? ecoa a vista
– para quê? sempre sós
– para quê? perde-se a pista
e fica enfim no fim tão só a forma geral do
questionar
sem já se saber ao certo o que se estava a
perguntar
Refrata-se a existência em mil tonalidades
a partir da sempre mesma e sempre igual eterna obscuridade
não há que ter terror do final
não mais que a perdida unidade
para os fragmentos que a temem endoidecidos
como se perdessem algo ao acabarem falecidos
– perdida apenas a ilusão
de ser singular e projeção
uma ânsia de afirmar não se sabe o quê
sem sentido ou razão que não o hausto
que ninguém reconhece que ninguém vê
– de onde veio? existe porquê?
De onde proveio tão massivo erro?
De que realidade foi decretado este desterro?
Perante mim abre-se o vazio
desejo por fim o seu abraço frio...
© Joaquim Lúcio, 2020
Há tantos silêncios diferentes, uns terríveis, outros maravilhosos. E depois também há este silêncio original-terminal de que fala o poema, que origina tudo e e de tudo se recolhe.
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