desconexões
existenciais,
tremores
repercutidos por incógnitos neurónios,
doenças
e tumores, infeções banais,
medos
de solidão, procuras entrecomunitárias,
asceses,
graus estéticos, materiais,
no
seu frio, entrecomunhões solidárias.
Há
vida nas paredes e há muito mais:
resistências
incógnitas à degradação,
maquilhagens,
desvelamentos e erros,
místicas,
segredos sensuais ou sedução,
poros
esgotando-se suores,
marcas
profundas de ódio ou de paixão,
angústia
ou saudade de outros tempos melhores
e,
sobretudo, delas chagas abertas na nossa imaginação.
Há
vida nas paredes e há também morte,
pó
de eras, ruínas, desolação,
cortes
brutais, fendas, terror ou degradação,
colapsos
súbitos ou eternizações moribundas,
condenações
capitais, embalsamentos, mumificações,
esqueletificâncias,
túmulos ou fossas comuns,
e
ilusões, como sempre, de eternizações
como
se ignorada a eternidade de nenhuns.
Há vida nas paredes e, também, diferença,
modificações abruptas, meninices ou
adolescências,
velhices
prolongadas, criatividades, duvidosos gostos,
de
doçuras e nobrezas a temores ou violências,
fealdades
inatas ou impostas por desgostos,
vacuidades,
aprendizagens, saloiices e degenerescências,
posições
sociais diversas, decoros e ordinarices,
bichices,
bichices...
Há
vida nas paredes e muito mais entre elas:
não
só sinais de trânsito e polícias,
não
só sarjetas, becos e ruelas,
falo
de lascívia, impondo-se brutal ou babando-se malícias,
inexplicitada
em tácito assentimento universal,
falo
de escuridão, de covardia,
de
asco, dissimulação, bastardia,
a
regressão de cada sonho à traição de cada dia.
Há
vida nas paredes, mais nelas do que em nós:
nós
perdemo-nos por elas existindo emparedados
–
nossa coragem são elas – nelas escrevemos nossa voz –
vivemos
para as construir, por elas encomendados,
são
mesmo a nossa existência quando ficamos a sós –
tememos
estar fora delas, fora – todos aterrorizados!
dependemos
delas, matamos por elas, morremos por elas
e
ainda assim ansiamos continuamente tornar
nossas
pedras tumulares quotidianas mais eficientes ou belas...
Há
vida nas paredes – a alguém demos a nossa –
esgotámo-nos
na sua intensiva criação
– ansiando, talvez, por ter
um bom motivo para a nossa eterna troça,
erguemos materialmente a
nossa vida à custa da nossa anulação
–
morremos de cidade e orgulhamo-nos de a ter nossa,
buscamos
nela o sentido, dedicamos-lhe paixão,
nunca
deixamos paredes sem profunda comoção
–
sentimos obstruídos sentidos misteriosos –
haverá
outros ouvidos, outras línguas, outros olhos?
haverá
outras paixões, outros fins, outras experiências?
haverá
outras maneiras de crescer, haverá outras vivências?
pouco
interessa a nossos sentidos cimentados
neste
sentir possível em rigidez e obscuridade
–
nossas sensações – conceitos abstratizados –
impõe-se
na sua objetiva universalidade
–
sentir e pensar dentro da metodologia
primeira
e essencial da compartimentalidade
como
objetivo fulcral da sabedoria
transcendentalizam
a existência
pondo
em particular evidência
a
supremacia total da técnica e da ciência
sobre
a vivência tosca e instintiva comum
fundamentada
na ânsia de contentamento
ignorante
da existência de contentamento nenhum
ou,
tão-só, o dado por continuação e crescimento
da
voragem desregrada do consumo
assumido
como construtivo ingresso
nos
ideais da urbanidade, da indústria e do progresso.
Paredes
como explanação e resumo
das
mentiras que se escondem sob mitos,
resignações
disfarçadas por dar gritos,
ânsias
de alegrias a garantir tormento,
receitas
espirituais para manipular alheamento,
desejos
de libertação a instituir prisões,
instintos
selvagens de poderio farsando-se revoluções,
a
satisfação do frustrado
em
pisar o mais fraco que está ao lado,
principal
razão para a institucionalidade do poder,
procurar
seguranças em seguras aniquilações,
avançar
conformado e dizer-se a aprender,
compreender-se
derrotado e ensinar – é isto a vida –
violar,
possuir, perverter, alucinar-se ferida,
idolatrar
obsessões patológicas como felicidade
e
sublimar o egoísmo possessivo como amor
–
constante defraudar como absoluta verdade,
glorificação
de cada missão sem sentido,
em
fuga quer à vida, quer ao suicídio – tudo resumido.
Há
vida nas paredes e paredes,
a
justificação do que foi mentido,
a
subserviência tida como natural
do
construtor à construção ideal,
manutenção
da ordem entre os acidentes
que
percorrem a existência das paredes,
vermes
carenciados, dependentes
que
buscam redenção para o seu medo,
um
sentido para a vida,
uma
divindade finalmente definida.
Vida
nas paredes nos limites da esquizofrenia
instituída
universal
–
súbita paralisia,
movimento
paredal,
revolução
copernicana
da
experiência quotidiana
com
o condicionamento já vital
da
sensação permanente de que tudo correu mal
e
corre e será sempre pior
–
a experiência o diz,
é
fundamento existencial,
nunca
ninguém será feliz.
Para
quê então ser e vivência?
Em
que sentido os entes se demoram?
Só
este:
As
paredes são a existência
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