Escamas endurecidas pelo decurso dos anos
enrijecem uma pele outrora elástica
até membros, ombros, torso se moverem
com automaticidade mecânica ou plástica.
Qualquer coisa de inorgânico cresce em mim,
qualquer coisa de rocha ou de metal,
como alquímica transmutação rumo ao fim
numa reversão cruel da pedra dita filosofal.
Golem primevo, grosseiro e brutal,
amplificado o peso por cem, por mil,
cada passo desfere um golpe sísmico
tentando regresso à terra, seu antro, seu covil.
E a rigidez transmite-se ao pensamento,
torna hirtas, baças, cúbicas as ideias,
reações embotadas, atrito, arrastamento,
mente a morar no meio de múltiplas cefaleias.
As emoções estão rombas, desgastadas,
sem intensidade exceto se redundantes:
ansiedades estéreis, insónias extenuadas,
rancores antigos e obsessões frustrantes.
Se parecem iguais ao passado as sensações,
onde está a frescura das manhãs claras,
o brilho endoidecido dos límpidos verões,
noites envolventes, brisa ondulante das searas?
As palavras inertes que por cá inda estão
não deslizam, dificilmente se veem deslocadas,
como plúmbeas peças de pesada construção
só com violência no lugar devido colocadas.
As palavras pesam e não de sentido ou gravidez,
incapazes de gerar novas inflexões, novas
expressões,
repetidas à insignificância dada a escassez,
inaptos sortilégios, impotentes evocações.
Onde as palavras que antes floresciam nos meus
lábios?
Onde as imagens que espontaneamente fletiam mente?
Onde as reflexões que pareciam emanar de arcanos
sábios?
Onde a leveza que me fazia parecer levitar
aereamente?
Em lado algum, nem enterradas na lembrança,
que a própria memória se petrifica rigidez
e na mente já nem habita qualquer esperança,
mesmo fantástica, de viver dinâmico outra vez.
Agarro e puxo o pé para o calçar com esforço,
alço o corpo mastodôntico que me resiste inerte,
arrasto os pés cansados enquanto torço o torso
e não encontro roupa que não me oprima e aperte.
A natureza misericordiosa preliminarmente me
prepara
para o regresso à lama inorgânica de que bem cedo
provim,
seca agora, humidade inútil numa mente tornada tão
ignara,
fazendo desejar fim à pouca consciência que ainda
guardo de mim.
Dia a dia, com os movimentos cada vez mais
trôpegos,
articulações doridas, solidão, de alimentos sabor ruim,
já sem alvos, já sem gozos, já sem forças, já sem
fôlegos,
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