"O poeta morreu. Postumamente, se publicam os seus versos. (...) Maníaco sagrado, o poeta está próximo do xamã, do profeta e do louco, mas sem doutrina em que tenha de crer, nem divindades por que se deva deixar possuir, nem delírio a que esteja coercivamente submetido. Proclamador do patente que os outros ocultam ou evitam, ser poeta não é meio, mas princípio e fim."

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Por morrer uma andorinha

 

Por morrer uma andorinha

não termina a primavera,[1]

tal como por dor sofrida

não se acaba com a vida,

 

mas cada qual, ao sofrer,

passa a ser o que não era:

a ferida fica a doer,

lembrança resta severa.

 

O mesmo com a alegria,

o mesmo com um amor,

o mesmo com toda vida.

 

Se a andorinha morria,

que não se console a dor

com continuação da vida.

 

Ela deixou de ser o que era,

seja ou não seja

                         primavera. 


Joaquim Lúcio, O Jazigo do Poeta, Vol. II, abertura, p. 149


[1] Referência a fado de Francisco Viana e Frederico de Brito, cantado por Carlos do Carmo.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Adverso o verso

  Adverso o verso no reverso do diverso por incapaz de reduzir o díspar ao igual Parece pernicioso pior pérfido perverso à sentença da...