A obra desenvolve-se a partir da morte do poeta, já retratada em O Jazigo do Poeta, não apenas como ocorrência pessoal, mas como caracterização da época. Porém, a partir de certa altura, introduz um artifício, a ressurreição do poeta sob forma espectral, como um reflexo longínquo do dizer original, anterior à especificação da linguagem em discurso poético, filosófico, político, religioso, profético, científico, etc. A figura do renascido diz apenas, não diz no seio de um registo codificado e especializado, opõe-se mesmo a essa degradação do dizer numa arrumação técnica. A partir do momento em que renasce, a obra passa a ter uma componente narrativa e até mesmo, num ou noutro momento, dramática. É, aliás, qualificada como ficção poética trágica. Por vezes, poeta, por vezes, profeta, por vezes, proclamador, por vezes, místico, por vezes, denunciador, por vezes, filósofo, por vezes, personagem narrativa, por vezes, vários deles ou todos eles, o renascido não se encontra limitado por qualquer dessas figuras. O próprio verso se pode tornar versículo e este a mais banal proposição denotativa. O dizer autodetermina‑se, busca ser contundente, atingir com precisão o que procura dizer, afastando-se da dissolução na metáfora infinita, onde tudo pode ser tudo e, logo, acaba por não dizer nada. O texto explora as temáticas, já abordadas na anterior obra, da cidade e do subúrbio, do próprio e do outro, da pessoa e da gente, do real e das mistificações, do mundo e do caos, do meio original e do meio coletivo, da liberdade e da determinação, da terra e da possibilidade, além de outras temáticas pontuais e sugestões por vezes apenas afloradas como mistérios ou cruzadas com o tratamento das temáticas referidas. Se algumas das teses são reiteradas quase obsessivamente, é porque são fundamentais para a estruturação do conflito que se vai desenvolver. E o resultado é exatamente o enunciado desde o início…
© Joaquim Lúcio
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