No teu nome, ressoam espadas, ecoam estupros antigos
penetram invasões, geram-se rebeliões, revoluções
aproveita-se a decrepitude das cidades, terras e
impérios
ardem bibliotecas academias jardins civilizados
No teu nome, existem palácios a arder, muralhas a
derrocar
existe a concretização da ameaça, do medo, do pavor
existe o anúncio do milénio, calamidade do inferno
e dos céus
existe o outro radical, o fora da ordem, o para lá
do mundo
No teu nome, escorre sangue de torsos esventrados
e espirra do pescoço sem cabeça, sem futuro, sem
passado
o teu nome veste peles de ursos esfolados pelo
norte
com as presas das bestas irredutíveis e selvagens
ao pescoço
Mas, no teu nome, ouve-se a esperança de futuro
o ventre de novas madrugadas, novas auroras
o brilho nos olhos da demanda pela devastação
de algo por que no horizonte valha a pena saquear
Inveja dos povos sofisticados, das riquezas
imerecidas
ganância ávida de cada vez maiores bens, maiores
posses
orgulho na força que pernas transportam e braços
desferem
luxúria
bravia e sadia ainda não pervertida por clausura e repressão
No teu nome, a tua natureza, a tua agrura, a tua
suavidade
um punhal prestes a ser espetado, a violência da
ternura
a lei e a
inclemência da terra nas entranhas de abismo e de calor
fissura tectónica pronta a expelir rancor raiva
rocha e fogo
A lua está
grávida de ti e atrai-me pequena medusa solta na maré
aproximo-me um pouco mas está vedado todo o
contacto
não entendes o mundo que atrais, as palavras que
evocas
sentes as
palavras como música, como cadência de uma outra dimensão
Inutilmente
se exige de ti o domínio do discurso, a arte do contrato
inutilmente se intenta impor-te normas e regras e
princípios
inutilmente se tenta confinar-te numa divisão ao
seu dever
inutilmente se deseja disciplinar tua indolência
desleixada
No teu nome, sussurram reminiscências de pérfidos
costumes
urros,
bramidos, ulular sem fim, rosna-se ameaçadora presença
mas também feroz frontalidade de virtudes de olhar
e ato
não poluídas por polidas proclamações postiças e
pedantes
No teu nome,
estão gravados nomes de deuses sedentos e cruéis
ritos sacrificiais os aplacam apenas pelos mais
breves instantes
há terror quando passas, quando percorres, quando
erras
as tuas mãos elegem ferinas ofertas impiedosas para
o além
No teu nome, se traça a dureza de um destino
estranho à paz
no conflito se fecunda, se impulsiona, se
transcende
nome de guerra eterna, nascimento, procriação,
falecimento
ciclo vital das potências que evocas instintiva nos
teus gestos
Estávamos votados à disputa, à querela, à refrega
pela fatalidade inscrita no teu nome, tua essência
na substância do devir e na luta dos contrários
eternamente díspares, opostos, polos unidos pelo
globo
O teu nome está inscrito no interior da minha carne
é inútil tentar apagá-lo, tentar esquecê-lo, tentar
domá-lo
a batalha do ódio e do amor não encontrará desfecho
percorrerei
até ao fim as ruas com a dor desta pugna no meu peito
Joaquim Lúcio, O Jazigo do Poeta, II, abertura, Madrid, Bubok, 2019, pp. 178-180
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