Crava o ferro no rego do devir
a incapacidade de ser ou decidir
há cético quando se nega o
advento
há dogmático se se deseja o
rebento
Acontecerá a verdade e a justiça
na cegueira
e as serpentes já não copularão
de novo
O ideal assético impõe-se na
caganeira
e vai-se passear impotência em
Porto Covo
Corno se eleva na eternidade do rancor
e espeta a castração na dependência
Há um infinito gozo de viver a dor
como se a sacristia criasse a impenitência
A galinha poedeira põe a postura incontinente
porque nunca decidiu adjetivar-se
Será para sempre o que é, sofrimento penitente
forçada a subsistir sem pensar suicidar-se
Cruza o universo tridimensional o para si
na completa ignorância da espontaneidade
e acredita que se autodetermina em si
como se pudesse escapar à anterior causalidade
Julga superar representação no pensamento
mas alusão, símbolo, enigma é representação
Ser vago não esvazia a indeterminação
não de ser, mas sempre, sempre de conhecimento
Invariavelmente, o complexo dissolve-se no boçal
Em vez de reconhecer incapacidade radical
inventa-se uma superação qualquer à toa
de uma noção parcial que se passa por completa
assim apresentando explicitação que se escoa
para a cloaca máxima de oblívio repleta
Mas o que importa é que faça uma corrente
uma moda que satisfaça o vaidoso no presente
Se se é sapo, não se pode fazer passar por corcel
nem por nada que se possa enfim conceber belo
Logo, se se quer ser-lhe atribuído um papel
há que insuflar, insuflar, insuflar o corpo todo
até se conseguir impressionar os seus iguais
e conseguir suscitar temor noutros rivais
Quem pensar isso próprio só de político ou ator
não conhece a natureza do típico doutor
Liberta-te da determinação das gónadas
e da contemporização de conveniências
Tão cansativo é o espelhar de mónadas
quanto a sisifica absurdidade de existências
Langonha por langonha, antes baba ou ranho
cuja excreção não arrisque haver posteridade
A consciência dilui-se no remoto antanho
incapaz de projetar-se na quotidianidade
Sonhar um heroico passado delirante
que vai todos redimir ali diante
atolado de artroses e de banhas
hilariando a perspetiva de façanhas
Reduz-te à intransponível incapacidade
de conhecimento, beleza ou satisfação
O teu único destino é só senilidade
e por milagre talvez ainda uma masturbação
Crava o ferro no rego do devir
a incapacidade de ser ou decidir
o futuro está nos ovos estrelados
e só espantalhos por todos são esperados
A redesignação sexual mais eficaz
consiste em espancar a líbido das serpentes
A andrógena batina trará a todos paz
hóstia raivosamente mordida com os dentes
© Joaquim Lúcio, abril de 2022
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