Como um poema recitado a meia luz,
adivinho os
teus contornos no crepúsculo do meu quarto
e absorvo-te
pela pele lenta, calmamente,
e desejo
impregnar-me de ti cada vez mais eternamente...
Gravado
ficará na memória este momento,
esta luz,
esses contornos, esta calma, esse contacto,
este odor de
fêmea fértil e recetiva ao afago,
essa penugem
que percorre fofa carne, sedosa pele.
Poema
sussurrado no teu corpo que adormece
ou já
adormecido na penumbra que escurece
e que
gradualmente nos dissolve e entorpece
até ao
despertar da luz penetrante que amanhece,
teus versos,
efémera magia fluída e respirada,
pairam na
consciência um instante e são esquecidos
numa mente
totalmente absorvida por e concentrada
em se
entregar à fruição dos instantes mais vividos.
De pé,
parado, numa pausa eterna de um momento,
à entrada do
quarto devassado, segredado, reservado
para os
mistérios, as violências, as ternuras, para o tempo,
presença
plena inversa da mera duração, mero passado,
inspiro o
calor abafado que acumulas e exalas
numa
dormência que me envolve o estar desperto,
enteléquia
insuperável ou futuro que no ventre embalas,
anunciados,
profetizados filhos de um horizonte aberto.
Habitas já
essa coisa a que posso chamar alma,
pela qual te
nomeio, te falo, te olho, te desejo,
ou te habito
eu na tua alegria, no teu ódio, tua calma
quando
adormeces na quente humidade terna de um beijo.
Poderemos
acabar este enleio já pela manhã
e,
ressentidos rancorosos, nem já nos nomearmos,
e nem
olharmos o outro, se nos encontrarmos amanhã
ou se,
inadvertidos, um pelo outro, tão-só passarmos,
poderemos
deixar as promessas de futuro
entre tantos
olvidados sonhos abandonados,
deitar fora
este anseio incontrolável, puro
de
frutificar em excesso enlaces enamorados,
poderemos
trair entrega, fusão, significado,
e até
preterir amor pela obscenidade
em que
corpos e almas se vendem no mercado
onde se
busca infrutiferamente saciedade,
poderemos
ocultarmo-nos de nós mesmos,
negando a
nossa própria autenticidade,
que restará,
para sempre, dentro de mim guardada,
a sagrada
relíquia deste instante de verdade.
Teus
contornos se apagam na penumbra
e já só sigo
lenta e espaçada respiração,
pela qual
sei que, entre sonhos, a serenidade
te visita
corolário orgástico da consumação.
É a hora de
vogares na onírica corrente
ou na
dormência sem sonhos do prazer,
hora de
limpares a alma e gozares-te ausente
na fetal
presença indistinta em que se gesta ser.
Para isso,
há uma eternidade imensa de uma hora,
te aninhaste
no meu ombro, enlaçando a minha carne,
exausta da
penetração violenta ou repousada
em que te
percorri, de lés a lés, por toda a tarde.
Também já
adormeci a cabeça nos teus seios
até esquecer
quem fui, quem sou ou o que ensejo,
fundindo a mente na fofura branca do teu peito
enquanto mantinha dentro de ti o meu desejo.
Momentos longos em que quereria morrer para sempre,
não regressar desse sono pousado no teu corpo,
babar-me como uma criança que se saciou e se sacia
no conforto de tal humano leito de carne tão macia.
Na escuridão, fecho os olhos para rever as
sensações
e uma tépida enchente de amor e carinho me invade
até tornar indiferentes todas as procuradas emoções
pelos fragmentados desejos aqui fundidos unidade.
Nada mais que procurar pelo universo infindo,
futilidade da devassa humana pelo desconhecido,
sociedade, trabalho, convivência e luta,
será que alguma vez tiveram algum sentido?
Ou apenas nos procurávamos distrair
de quanto, passo a passo, nos estávamos a trair
desesperadamente buscando preencher nosso vazio
com estrépito, agitação ou pusilânime desvio?
Como um
poema recitado a meia luz,
mesmo no
escuro e de olhos bem fechados,
inspiro os
tecidos suados da tua pele que reluz
irradiando
os meus tecidos pelos teus impregnados.
No poema,
letra a letra, gota a gota, corre o sangue
de todo esse
sofrimento e grosseiro gozo sem sentido,
até ser por
ti purificado, regenerado seiva
em que todo
o já passado é redimido.
Relaxada, respiras o meu quarto, o meu leito, minha
alma,
como se não precisasses na vida de mais nada
e eu encontro-me ápice e final neste fim de tarde
calma
no qual saúdo a escuridão como se fora a alvorada.
A noite cai e eu deito-me de novo a teu lado,
o teu corpo adormecido e cego busca o meu
como se só para ele continuasse inda acordado.
O calor invade-me, aqueço-me, torpor, sou teu...
Muito bom!
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