Há dias maiores no armário da solidão
dias que infletem o tempo e o
dobram
dias com o peso de uma outra
dimensão
dias que encerram dias que
soçobram
A solidão parece uma linha
contínua
de angústia ou tédio ou desalento
só a interação social parecendo
descontínua
variando pelas relações e
entretenimento
Mas não é assim antes próximo do
inverso
Dias há de indiferença e até
serenidade
dias de nervosismo aborrecimento
até de euforia
dias de empenho energia dias de
ansiedade
E há dias de chumbo derretido a
correr nas veias
dias em que a duração emperra
asfixia a fluidez
dias em que tudo no peito se
contrai oprime nega
dias em que se não consegue
respirar mais uma vez
E nesses dias deixa de existir
futuro
o tempo inverte a sua direção
nada mais se espera desespero
puro
e só para o passado se mantém a
projeção
Mas é seu lançar-se apenas
negativo
movido pelos vapores mais
ressentidos
olhando de novo tudo o que passou
e todos os momentos todos os
sentidos
Pode-se lentamente cultivar
rancor
e isso longamente sustentar a
duração
até já nada ter no peito senão
dor
e restar na vida petrificação
Há dias maiores no armário da
solidão
dias em que a vida acaba e porém
se dura
– começa a indiferença ao que se
passe ou não
e a inércia insuportável e
constante da tortura
do passar espaçado e rangente dos
segundos
que sempre acompanhou os
moribundos
E acabará por ser tão grande o
hábito de sofrer
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