"O poeta morreu. Postumamente, se publicam os seus versos. (...) Maníaco sagrado, o poeta está próximo do xamã, do profeta e do louco, mas sem doutrina em que tenha de crer, nem divindades por que se deva deixar possuir, nem delírio a que esteja coercivamente submetido. Proclamador do patente que os outros ocultam ou evitam, ser poeta não é meio, mas princípio e fim."

segunda-feira, 21 de abril de 2025

O sujeito

A disposição do sujeito que mais o aproxima da verdade do ser é o despojamento

Isso não significa que ser seja o nada

antes é nada todo o aparecer já passado

todo aquele que espera até o sujeito mais desesperado

e poder-se-á questionar se alguma vez é algo

ou apenas quântica flutuação da consciência

sem saber de onde vem e para onde vai

o delírio da aparição por inerente inconsistência

E assim se desfaz pouco a pouco a ilusão

assim se recupera a consciência do esquecimento

uma amnésia que se reconhece enfim como tal

e apenas regressa ao início no final

 

A anamnese não é um reencontro com o objeto

com a coisa a ideia a aparição a essência de algo

mas o despir-se de todo o ruído todo o caleidoscópio

todo o espetáculo por onde devaneia a consciência

até reencontrar o vazio original

que lançou o sujeito como tal

pela cisão do que nunca poderia ser cindido

— reencontrá-lo e repudiá-lo sem o poder já rejeitar

enquanto o concurso das aparências não findar

 

O sujeito nu é o sujeito que se nega

e que depois de percorrer todos os absurdos da sua projeção

acaba no absurdo da sua própria rejeição

por não poder deixar de se jectar

a não ser anulando todo o orgânico

e decompondo-o nos materiais esquecidos

mas que foram sempre para a ilusão requeridos

 

A contradição que funda o sujeito

é em si mesma insanável

Nenhuma versão da ipseidade

é consistente ou saudável

A sua aparência escorre para o nada

   

© Joaquim Lúcio, início de fevereiro de 2024


Tudo o que fui

Tudo o que fui não é nada

o que poderia ser, tudo

a existência fracassada

oculta no sobretudo

 

Viver não é um caminho

morrer não é um destino

embebedei-me sem vinho

de mim mesmo clandestino

 

O mesmo vazio de sempre

percorrer-se nos dejetos

de ser tão-só algo entre

 

entre sujeito e objetos

entre átomos e planetas

terréu de caos e cometas

 

 © Joaquim Lúcio,  11/1/25

O bico

O bico do seio

despertou para o prazer

e proclamou o despertar

despudoradamente

Pudera tudo ser dito

assim, sem subterfúgios

sem manhas

sem omissões

de frente

 

© Joaquim Lúcio, 14/4/2024

O sujeito

A disposição do sujeito que mais o aproxima da verdade do ser é o despojamento Isso não significa que ser seja o nada antes é nada todo ...