A disposição do sujeito que mais o aproxima da verdade do ser é o despojamento
Isso não significa que ser seja o nada
antes é nada todo o aparecer já passado
todo aquele que espera até o sujeito mais desesperado
e poder-se-á questionar se alguma vez é algo
ou apenas quântica flutuação da consciência
sem saber de onde vem e para onde vai
o delírio da aparição por inerente inconsistência
E assim se desfaz pouco a pouco a ilusão
assim se recupera a consciência do esquecimento
uma amnésia que se reconhece enfim como tal
e apenas regressa ao início no final
A anamnese não é um reencontro com o objeto
com a coisa a ideia a aparição a essência de algo
mas o despir-se de todo o ruído todo o caleidoscópio
todo o espetáculo por onde devaneia a consciência
até reencontrar o vazio original
que lançou o sujeito como tal
pela cisão do que nunca poderia ser cindido
— reencontrá-lo e repudiá-lo sem o poder já rejeitar
enquanto o concurso das aparências não findar
O sujeito nu é o sujeito que se nega
e que depois de percorrer todos os absurdos da sua projeção
acaba no absurdo da sua própria rejeição
por não poder deixar de se jectar
a não ser anulando todo o orgânico
e decompondo-o nos materiais esquecidos
mas que foram sempre para a ilusão requeridos
A contradição que funda o sujeito
é em si mesma insanável
Nenhuma versão da ipseidade
é consistente ou saudável
A sua aparência escorre para o nada
© Joaquim Lúcio, início de fevereiro de 2024